A China está construindo uma base de monitoramento espacial no coração da Patagônia argentina. O projeto deve ficar pronto em março de 2017, mas já está tirando o sono de muitos analistas dentro e fora do país, principalmente nos EUA. A maior preocupação é que a tecnologia instalada na base seja usada para fins militares. A operadora do projeto, a estatal chinesa Satellite Launch and Tracking Control General (CLTC) é um braço do Exército Popular da China.
A ligação militar é o que diferencia a base chinesa de um projeto semelhante inaugurado em 2012 pela Agência Espacial Europeia, uma entidade civil, na província de Mendoza, mais ao norte do país. Como a estação chinesa será administrada por uma divisão do Exército chinês, analistas acreditam que não se pode descartar o eventual uso militar das tecnologias de monitoramento instaladas na Patagônia.
A estação fica perto da cidade de Bajada del Agrio, na província de Neuquén, em uma área de 200 hectares. A base foi equipada com duas antenas parabólicas direcionáveis de 13,5 metros e 35 metros, capazes de explorar o “espaço profundo”, instalações de computação e engenharia, alojamentos para a equipe técnica e uma usina de energia elétrica que custou à China US$ 10 milhões. O governo chinês tem outras três estações espaciais internacionais — na Namíbia, Paquistão e Quênia –, mas nenhuma com equipamentos tão sofisticados.
O acordo de cooperação autorizando o projeto foi assinado pela ex-presidente argentina Cristina Kirchner e pelo presidente chinês Xi Jinping em abril de 2014 e
ratificado pelo Congresso argentino em votação apertada em fevereiro do ano passado (133 votos a favor e 107 contra). Agora, pressionado, o novo governo de Mauricio Macri tenta renegociar com Pequim mudanças no contrato para garantir que a base não seja usada para fins bélicos ou de inteligência.
De acordo com o contrato, a base na Patagonia será, na prática, parte do território soberano chinês pelos próximos 50 anos. A
Trecho do acordo de cooperação entre Argentina e China (Foto: Senado da Argentina)
Comissão Nacional de Atividades Espaciais (Conae), agência argentina encarregada do programa espacial do país, terá acesso a apenas 10% do tempo de uso das antenas chinesas para desenvolver seus próprios projetos. No contrato, a Argentina se compromete em “não interferir ou interromper as atividades normais levadas a cabo no local”.
O jornal argentino
La Nacion diz que Macri orientou seu embaixador em Pequim, Diego Guelar, e sua chanceler Susana Malcorra a convencerem o governo chinês a incluir uma cláusula no acordo garantindo que a estação espacial “não terá qualquer propósito militar”, linguagem que não aparece no acordo original. Macri espera chegar a um acordo com os chineses antes de viajar a Pequim em setembro deste ano para a cúpula dos líderes do G-20, onde se reunirá com Xi.
As autoridades chinesas afirmam que a estação servirá apenas para explorar o espaço e apoiar uma missão lunar que a China pretende realizar no ano que vem. No entanto, situada na mesma linha longitudinal que cidades importantes da costa leste dos EUA, como por exemplo a capital, Washington, DC, as antenas chinesas na Patagonia estão bem posicionadas para interferir com o funcionamento de satélites equatoriais que atendem à costa leste dos EUA, o principal rival do gigante asiático. A desconfiança dos EUA com o programa espacial chinês é tamanha que em 2011 o Congresso proibiu a Nasa de colaborar com os cientistas chineses, uma medida que ainda vigora.
A pedido da revista
Diplomat, um especialista em comunicações espaciais analisou as imagens aéreas da estação chinesa e confirmou que as duas antenas poderiam ser usadas “para monitorar satélites geoestacionários” e que, operadas em conjunto, poderiam “interferir com satélites de comunicação, redes elétricas, sistemas eletromagnéticos, além de receber informações sensíveis sobre o lançamento de mísseis e outras atividades espaciais, como a movimentação de aviões-robô ou armas estratégicas”.
Aumentando ainda mais a desconfiança, a estatal chinesa que construiu a base na Patagonia é a China Harbour Engineering Company, uma subsidiária da China Communications Construction Company, que tem atuado na construção de outro projeto polêmico: as ilhas artificiais chinesas em territórios disputados do Mar da China Meridional.
Há quem defenda que o novo empreendimento chinês na Patagônia deve ser visto simplesmente como uma extensão lógica das ambições pacíficas de exploração espacial de um gigante em ascensão. De acordo com esse pensamento, a China merece o mesmo voto de confiança dado a outros países desenvolvidos que exploram o espaço.
No entanto, o histórico da China de ocultar as reais intenções do seu governo autoritário, seja na construção de ilhas artificiais em águas disputadas, seja no furto de propriedade intelectual, ou nas investidas no mundo cibernético sugerem que há bons motivos para questionar as verdadeiras intenções dos chineses na Patagônia.